A barra enlameada da calça do pequeno Fernando Silva, 10 anos, comprova a saga em busca do direito de aprender a ler. Morador de uma casa de pau a pique nos confins do município de Cortês, Mata Sul de Pernambuco, ele percorre toda manhã 20 km entre a ida e o retorno à Escola Municipal do Engenho These, unidade educacional mais próxima da residência. Desde que começou a estudar, os primeiros 9 km desse caminho o garoto fazia a pé, sob o incômodo da fome e da sede. Há um ano, ganhou uma bicicleta do programa Caminho da Escola, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Geralmente associada a melhoria da mobilidade nos centros urbanos e à saúde, a magrela entrecorta o barro vermelho e os canaviais do interior pernambucano em mais uma função: levar a educação onde o costume é de só chegar a miséria.
Nandinho, como é chamado pela mãe, sonha em ser policial. Nada parecido com o cortar cana-de-açúcar, trabalho encontrado pela matricarca para tentar suprir a fome dos 12 filhos. Da casa deles, ninguém saiu alfabetizado. O sonho do caçula de ser o primeiro a ler e a necessidade de manter os R$ 172 do Bolsa Família são o despertador diário. Às 4h50, o menino está de pé. Às 5h30, coloca a sobrinha Cristiana, 4, no bagageiro, e segue em revezamento com o sobrinho Felipe, 8, na bike. Até a rodagem, local onde passa o ônibus escolar para percorrer o restante dos 5,5 km de ida até a escola, são mais 60 minutos. Depois do fim da aula, espera mais uma hora pelo ônibus, fazendo o caminho inverso. “A bicicleta eu deixo no canavial, escondida, para ninguém pegar. Com ela é mais ligeiro”, conta.
Depois da bike, o madrugar de Nandinho foi atrasado em 50 minutos. Tempo que faz diferença não só na qualidade de vida dele, que parou de reclamar de dores constantes de cabeça provocadas pelo sol, mas influi diretamente nos resultados escolares. “Antigamente ele chegava reclamando do calor, da distância e do cansaço. Cochilava com frequência em sala de aula”, garante a professora Patrícia Barbosa, 26.

Pernambuco registrou, ao lado do Maranhão, o mais baixo índice de abandono escolar no ensino fundamental do Nordeste, cerca de 3,7% em 2012. Número, entretanto, pior do que em todos os estados das regiões Sudeste e Sul. A dificuldade de acesso e os fatores socioeconômicos são determinantes. “A falta de dinheiro leva muitas famílias a utilizarem a mão-de-obra infantil. Em zonas rurais, o transporte é fundamental. E a bicicleta aumenta o estímulo de ir estudar”, diz o professor de Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Federal de Pernambuco José Batista Neto.
As bicicletas chegaram aos estudantes pernambucanos por meio do programa Caminho da Escola, entre agosto de 2011 e julho do ano passado. À época, existiam cerca de 180 mil matriculados nas escolas da Zona Rural, dos quais 26.741 receberam as bicicletas. Os critérios adotados na escolha foram a distância percorrida para chegar às escolas, a idade mínima (6 anos) e a frequência de 75% em sala. “Em estudos, percebemos um número elevado deles a percorrer entre 10 a 12 km, sendo a maior parte a pé, pois os veículos não chegam”, explica o coordenador-geral de Apoio à Manutenção Escolar, José Maria Rodrigues.
About Jaime Linhares Laibida

Dono do PintesuaBike, trabalha com bicicletas antigas, speed e mtb há 22 anos, ciclista desde 1980 disputou vários campeonatos da modalidade Speed. Agora se dedica a Mountain Bike. Apaixonado por bicicletas e pelo ciclismo.