Há quem goste somente daquilo que é a última palavra em termos de tecnologia e que simplesmente ignora e se recusa a olhar para o passado das coisas, afinal, história é algo que ficou para trás e de nada serve para quem vive no presente. Bicicleta é um produto em constante inovação tecnológica e que a cada ano incorpora inúmeras novidades. No segmento de bikes de competição, essa realidade é ainda mais gritante, pois, como no mercado automobilístico, é justamente na competição de alta performance que as inovações chegam primeiro e a tecnologia anda a passos largos.
Mas nem só de tecnologia de ponta vive o mercado. Sempre existiram aqueles que olham para o passado com um carinho todo especial, afinal, é no passado que residem os fundamentos de tudo o que existe no presente. Suspensões, freios a disco, pneus tubeless, materiais mais leves e resistentes, enfim, tudo o que hoje se conhece como tecnologia de ponta é o inevitável resultado de uma evolução que teve origem em algum lugar do passado.
Engana-se quem pensa que objetos antigos são meramente peças limitadas aos acervos de museus. Bicicletas antigas cativam uma legião de fanáticos mundo afora e no Brasil não é diferente. Há todo um mercado dedicado a esse público que se reúne em passeios, feiras, exposições e outros eventos. Mundo afora, existem inclusive longas viagens, ralis e até corridas de estrada.
Nos últimos anos, programas de TV como o Lata Velha, apresentado por Luciano Huck, Caos, do History Channel, e outros da televisão norte-americana que têm como pano de fundo o comércio e a restauração de objetos antigos trouxeram novo fôlego para esse mercado.
Os grandes fabricantes, atentos a esse movimento, não tardaram em lançar modelos de bicicletas retrô. Na feira Brasil Expo Brasil do ano passado, vários estandes exibiram modelos de bicicletas no estilo vintage.
GOSTO PELO RARO
O gosto por bicicleta antiga chega a ser comparado com um vício, ou uma “doença”, como muitos definem. Em geral, esse público é composto por indivíduos do sexo masculino e com idade mais avançada, digamos, acima dos 40 anos. Mas não tem idade para se gostar de objetos do passado.
Muita gente desenvolve a paixão pelas bicicletas antigas por influência de algum parente próximo, como, por exemplo, um avô, um tio, o irmão mais velho ou o próprio pai. Há quem entre nesse universo na busca de matar a vontade de possuir um determinado modelo de bicicleta que jamais conseguiu adquirir na infância, por exemplo. Existem ainda pessoas que acabam ingressando ao procurarem determinado tipo de modelo para matar a saudade de um ente querido que possuísse aquele exato modelo de bicicleta.
A verdade é que o prazer de possuir um objeto antigo, seja qual for, em perfeitas condições, como se tivesse saído ontem da linha de produção, é algo muito especial e difícil de ser explicado em palavras. Afinal, uma bike 2013 qualquer um pode ir até a loja e comprar dúzias iguais. Já um objeto com mais de 50 anos de idade em perfeitas condições é algo muito, muito raro, e que gera uma sensação de exclusividade e distinção que um objeto novo, por mais caro que seja, não vai satisfazer.
AMIZADE E PACIÊNCIA
O universo de bicicletas antigas se desenrola em lugares muito distantes das badaladas bike shops com bandeiras das grandes marcas que atuam no mercado de competição com bicicletas de última geração. Lançamentos e bikes vintage simplesmente não se misturam.
Quem curte as veteranas frequenta pequenas oficinas de restauradores, barracões e lojas de colecionadores, antigas bicicletarias de bairros periféricos, antiquários, cidades pequenas de interior, e visita com frequência feiras e exposições para coletar informações e garimpar peças, vasculha catálogos, revistas antigas e a internet em busca daquela “bendita peça que falta”.
Por isso, fazer amizades é fundamental nesse meio e existe toda uma liturgia envolvida na hora de ir a campo e tentar localizar uma determinada peça que é tão difícil como encontrar uma agulha no palheiro.
Toda peça tem uma história, toda bicicleta também e, na hora de comprar, não basta pedir no balcão, passar no caixa, pagar e sair. O ritual de ouvir as histórias com interesse e paciência faz parte desse negócio.
Muitas peças acabam chegando às mãos de colecionadores por mero acaso. Às vezes são procurados pelos filhos após a morte dos pais, outras vezes por falência de um antigo comércio, outros por dicas de amigos desse ramo. Existem pessoas que têm peças novinhas em folha, ainda dentro das caixas e embrulhadas em papel manteiga original da época.
Vale lembrar que além de bicicletas antigas, existe também todo o mercado de acessórios e vestuário de época. Assim, nada mais apropriado que pedalar uma bike antiga vestido com roupas da época e com os acessórios originais da época como faróis, bolsas de couro, ferramentas e bombas.
EXPOSIÇÕES
Os fanáticos por antigas se reúnem em diversos eventos e há todo um calendário de encontros de diversas naturezas que vão de exposições a passeios. Em São Paulo um grupo se reúne nas manhãs de domingos na Estação da Luz.
Nos Estados Unidos, por exemplo, existe um calendário anual de encontros com eventos praticamente todos os finais de semana. No Brasil existem várias exposições onde as bikes têm presença garantida, muitas vezes em eventos que ocorrem paralelamente com as exposições de carros antigos. Os mais famosos são realizados anualmente em Águas de Lindóia (SP), Araxá (MG), São Bento do Sul (SC), Vitória (ES), Jaraguá do Sul (SC), além de vários outros no Estado de São Paulo. Em alguns eventos existe premiação para diversas categorias como a mais original, a mais antiga, a melhor restauração etc. Uma vez premiada, uma bicicleta consequentemente adquire mais valor no mercado.
WOODSTOCK DAS ANTIGAS
Na Itália, onde bicicleta é objeto de adoração e o ciclismo é largamente praticado, desde 2004 é organizada a L’Eroica (www.leroica.it), uma corrida só para bicicletas antigas. O evento, chamado pelos organizadores de “O Woodstock das bikes antigas”, começou com 490 ciclistas e reuniu 5.500 em 2012, sempre no primeiro domingo do mês de outubro. A corrida começa na pequena cidade de Gaiole di Chianti, na bela região da Toscana, e pode ser disputada em quatro distâncias: 38km, 75km, 135km e 205km. O percurso é bastante montanhoso e tem trechos de terra num solo branco, ou strade bianche em italiano.
Existem regras bem específicas para participar. Tem que ser bicicleta de ciclismo construída antes de 1987 (mountain bikes, bikes de crono e ciclocross são proibidas), o quadro deve ser de aço (com exceção dos quadros Alan e Vitus, feitos de alumínio com junções coladas ou parafusados), as alavancas de câmbio devem obrigatoriamente ser instaladas no down tube, pedais devem ser do tipo com tiras ou travas e os cabos de freio devem estar no exterior do guidão. Bikes atuais feitas de aço são aceitas, desde que utilizem componentes vintage.
A corrida é na realidade uma grande festa, um encontro de aficionados por antigas que fazem uma verdadeira viagem no tempo. Nada de isotônicos ou maltodextrina, os ciclistas tomam mesmo é vinho e café e, no lugar de barras de cereais e proteínas, a alimentação é na base de pão, queijo e carne. O cenário se completa com barracas que vendem roupas e todos os tipos de peças e acessórios de época. Para completar, sempre têm os felizardos proprietários das antigas Penny Farthing e suas enormes rodas dianteiras. A viagem no tempo se completa com os carros e motos de apoio, lógico, também vintage, que acompanham o pelotão.
ENTENDA A DIFERENÇA
REFORMA: Consiste em deixar a bicicleta pronta para rodar e toda e qualquer adaptação ou utilização de peças modernas é válida e aceita. A pintura pode ser feita com qualquer tipo de tinta em qualquer cor sem restrições.
RECUPERAÇÃO: Exige compromisso com a originalidade e a troca de peças por tecnologias diferentes não é aceita. Se for necessária a substituição de um componente, o novo deve ser de preferência idêntico em tecnologia, forma e acabamento em relação ao original. A pintura deve sempre que possível conservar a cor original.
RESTAURAÇÃO: Processo difícil e demorado, pois só são aceitos componentes de época de forma a deixar o objeto idêntico ao original, em tecnologia, forma e acabamento.A pintura deve ser obrigatoriamente a mesma cor original e o mesmo tipo de tinta que se usava no modelo original.
CLUBE VIRTUAL
Paulo de Tarso, o fundador da Associação Sampa Bikers, é fã das antigas e possui várias em sua casa. “Só não tenho mais por falta de espaço”, garante. Paulinho, como é conhecido, oferece um clube on-line de aficionados pelas veteranas. Basta mandar uma foto e se cadastrar no site www.sampabikers.com.br/clube-das-antigas-3. O site tem uma galeria enorme de fotos das bikes e o e-mail dos associados. O clube já organizou passeios com cerca de 100 ciclistas e novas atividades estão nos planos.
MODA RETRÔ
Os fanáticos por antigas têm nas bikes estilo retrô um gostinho do passado, mas sem abrir mão da modernidade. Algumas marcas que apostaram no estilo vintage ofecerem modelos com faróis de LED, câmbio automático e com componentes feitos de materiais modernos.
Recentemente, a tendência conhecida como “Urban Chic” ou Cycle Chic” de inspiração vintage ganhou força em muitos países e chegou ao Brasil com bikes, e também acessórios como selins, pedais, punhos e outros componentes feitos em couro e outros materiais naturais como vime, palha, madeira, bambu.
ALGUNS MODELOS RETRÔ
Odomo Bicicletas
Empresa com sede na cidade gaúcha de Bom Princípio recriou bicicletas elegantes de apelo feminino.
Mobele Bikes
Design clássico europeu consagrado em países como Holanda e Dinamarca. A marca produz também bikes retrôs utilitárias para transporte de carga.
Velorbis
A marca dinamarquesa Velorbis é fabricada na Alemanha e comercializada em algumas cidades do Brasil. Em São Paulo, é vendida na bike shop Tag And Juice. A marca oferece uma linha de acessórios de luxo que incluem até bolsas de couro de búfalo e uma cesta de material natural que suporta até 15kg.
Texto Adaptado – Bike Magazine